Doutora em psicologia e docente do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação da Universidade de Barcelona, ela também atua no Instituto Municipal de Educação dessa cidade, desenvolvendo trabalhos em escolas públicas.
A educadora espanhola Ana Teberosky, cátedra da Universidade de Barcelona, pesquisadora e autora de pesquisas importantes na área da educação, entre elas A Psicogênse da Língua Escrita, em parceria com Emília Ferreiro, obra que trouxe importantes reflexões a respeito da aquisiçao do sistema de escrita, falou com o Diário na Escola na última semana sobre produção de texto no ensino infantil e fundamental. A pesquisadora esteve no Brasil para um Simpósio promovido pelo CEDAC (Centro de Educação e Documentação para a Ação Comunitária), em São Paulo, voltado para formadores em educação. Na entrevista, Ana Teberosky dissertou sobre a necessidade dos alunos entenderem para que e por que produzem textos, sobre como o educador pode estimular os alunos para essa produção, sobre a possibilidade de usar histórias e imitações no processo criativo e sobre a importância das crianças adquirirem vocabulário, entre outras coisas. A seguir os principais trechos da entrevista.
Diário na Escola – Como a senhora vê a aquisição e produção de texto por parte das crianças?
Ana Teberosky – É difícil falar sobre a produção de texto da criança brasileira, porque as crianças do Norte, do Sul, da costa, da Amazônia, têm muitas diferenças regionais, não há um único tipo de criança brasileira. Porém, há uma identidade. É como na Europa, a criança portuguesa não é muito diferente da criança espanhola, mas elas têm uma cultura escolar
diferente da criança brasileira. Por isso é difícil generalizar comentários sobre o processo de aquisição de textos das crianças de locais diferentes. De qualquer forma, é possível, em qualquer lugar, dizer que para que essa aquisição ocorra, os educadores devem fazer o seguinte questionamento com os alunos: para que são produzidos os textos e por que fazê-los.
Diário na Escola – De que forma os professores devem trabalhar a partir destas questões?
Ana Teberosky – Sobre a questão para que fazê-los, é interessante que se entenda que um adulto, uma pessoa letrada, lê textos com diferentes funções e aspectos subjetivos. O jornal é um texto, o romance é um texto, uma carta é um texto, ler uma notícia é um texto, ler a bula de um medicamento é um texto. Sendo assim, para entender para que se produz textos, educador e alunos devem produzir e interpretar juntos, é importante ficar claro que o resultado concreto da
leitura e da escrita é um texto. Ou pode-se também dizer que na realização do texto há resultados concretos, de leitura e interpretação. Não há ato de leitura sem a escrita – só uma palavra já é um texto. Portanto, na produção do texto, fazemos ao mesmo tempo um ato de leitura e de escrita. Sobre a questão por que fazê-los, a história é outra. O texto é importante na aquisição da leitura e da escrita, portanto é preciso produzir e ler textos. Há muitos processos psicolingüísticos e muitos motivos possíveis num discurso, num texto. Um processo de construção das sintaxes não acontece com a palavra sozinha há todo um processo de produção e compreensão da pontuação, um processo da coerência gráfica. Então, é muito importante que a aprendizagem da leitura e da escrita não seja restrita, há várias formas de produção do texto além da gráfica. A questão da palavra é outra. A ortografia é a palavra. Se o educador for trabalhar com a ortografia, aí a unidade da referência é a palavra, mais que o texto.
Diário na Escola – Qual a maneira de trabalhar a produção de texto sem a palavra escrita, sem a
ortografia? Não é necessária, desde o ensino fundamental, a preocupação de introduzir as regras
e normas cultas da escrita?
Ana Teberosky – Quando começa a produção de texto na pré-escola ou na primeira série, é bom começar com o texto ao mesmo tempo que começar com as letras, com as palavras. Talvez não seja possível que a criança produza um texto graficamente, mas ela pode contar para o adulto e o adulto escrever. Ela pode produzir um texto oralmente, em situação de entrevista, gravando
etc. A produção de texto não é necessariamente gráfica. Quanto às regras gramaticais e ortográficas, a aquisição de algumas delas é possível no início, outras ainda não. O professor tem que chegar a um equilíbrio entre a restrição e a limitação impostas pela aplicação das regras gramaticais e ortográficas na criação do texto, e a liberdade com que se aplica essa mesma atividade, sem utilizar a produção gráfica. Nem tudo deve ser limitado e restringido, nem tudo deve ser livre, pois isso é impossível.
Diário na Escola – Como se deve começar uma narrativa? O professor tem que buscar equilíbrio entre liberdade, desde que seja criativa, e regra formal de escrita?
Ana Teberosky – O professor deve começar em cima de uma estrutura narrativa conhecida ou de uma narrativa que tenha um personagem. Nós estamos trabalhando esse tema de equilíbrio de restituição de liberdade. Se você deixa a criança na conversa cotidiana oral, a produção dela é muito pobre, o vocabulário é pobre, curto, a estrutura é muito simples. Mas se você provoca alguma situação na qual a criança tem que imitar a outra ou falar como se fosse um personagem da televisão, falar como se fosse um professor, falar como se fosse um personagem do livro, o nível de instrução dela aumenta. Aumenta muito o vocabulário, a complexidade das sintaxes. Porque a imitação permite incorporar a capacidade de outro. Nós somos a favor do texto livre, mas com atenção para o fato de que, com ele, a criança pode ficar muito sozinha com suas próprias idéias e sem ajuda. Por isso, é interessante que o texto seja criado a partir de alguma estrutura e que o aluno receba ajuda no caso da imitação de personagens ou colegas.
Diário na Escola – A produção de texto é uma ferramenta importante para que a aquisição da leitura aconteça de forma letrada, efetiva?
Ana Teberosky – É muito importante porque permite a realização do jogo discursivo que é uma situação que, sem produção de texto, é impossível. Quando você está, por exemplo, na hora de comer, com a família, normalmente todos falam muito. Mas os temas desses discursos narrativos são muito limitados, para a aquisição da leitura são interessantes temas mais complexos. Em um comentário sobre um livro você pode incorporar muito mais, porque os temas são mais complexos, porque as palavras são mais complexas. Mais da metade do vocabulário de uma língua, de um idioma, só se encontra nos livros. O vocabulário não está na fala cotidiana, ela é muito repetitiva.
Diário na Escola – Qual a importância da apropriação do vocabulário restrito aos livros?
Ana Teberosky – Se você só tiver duas palavras para todo o mundo, o que seria do mundo? Quando a criança é pequena, a criança não fala cão. Ela refere-se ao cachorro somente como au, au. Essa é toda a referência que ela tem do animal. Mas ela pode aprender a referir-se ao cão dela, a partir de outras perspectivas: pode descobrir que o au, au pode ser chamado de cão ou de cachorro, que ele é um animal, mamífero e que au, au é o som que os cães fazem quando latem. São informações sobre o animal, agregadas à expansão do vocabulário.
Diário na Escola – Apropriação da língua é apropriação de conteúdos?
Ana Teberosky – É apropriação de conteúdos, é pensar. Não interessa a fala cotidiana automática, sem reflexão, por exemplo, quando você diz no almoço: “me dá salada”. Isso é automático. Para produzir um texto você tem que pensar a linguagem.
Diário na Escola – Qual sua recomendação para os professores que estão trabalhando produção de texto com os alunos?
Ana Teberosky – Ler muito. Devem ler como adultos, devem ler para os alunos, devem comentar o livro. Sem comentários não adianta, não há progresso. Deve-se falar muito sobre
o livro, não só sobre o conteúdo, mas sobre a linguagem, sobre a capa, as letras, como se lê hoje, sobre o jeito como se lê, sobre as ilustrações.
Diário na Escola – Nesse momento, junto com a leitura, o educador deve pedir para as crianças produzirem textos?
Ana Teberosky – Não tão de imediato, não é só o primeiro passo, há o segundo passo. Por exemplo, se o educador está lendo com os alunos Chapeuzinho Vermelho, ele pode falar sobre o engano do lobo e comparar o erro da história com alguma situação cotidiana. Os alunos podem então fazer narrativas que envolvam enganos como o da história e o que o professor contou.
Diário na Escola – Qual a idade para as crianças iniciarem a produção de texto em casa e na escola?
Ana Teberosky – Depende do estímulo da família e dos professores, mas pode ser em torno de 2 anos ou 3 anos de idade. Na escola também, o quanto antes melhor.
Diário na Escola – O professor pode pedir para a criança um texto por escrito, com algumas normas de gramática, a partir de qual idade?
Ana Teberosky – É possível pedir isso para crianças de 4,5 ou 5 anos de
idade. Depende do que o educador pede e do quanto elas tiveram contato com a leitura e com a escrita. A recomendação para o professor, na verdade, é ler muito, depois comentar, quando a criança produzir um texto, o educador deve ler, comparar,e mostrar que a escrita não existe sem a leitura e a leitura não existe sem escrita. Elas estão juntas. O aluno vai acabar entendendo que
ele deve fazer um texto para alguma coisa, em função de alguma coisa.
Fonte: DIÁRIO DO GRANDE ABC - DIÁRIO NA ESCOLA (06/08/2004)